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Artigo: Financiabilidade para o etanol


José Américo Rubiano - Publicado: 14 Mai 2013 - 11:56 | Atualizado: 30 Nov -0001 - 21:00
Reconhecido em 2010 pela Agência de Proteção Ambiental Americana, como o combustível mais limpo do mundo, por promover a redução de 85% do efeito estufa provocado pela queima de combustíveis fósseis, o etanol brasileiro parece confirmar o dito popular de que santo da casa não faz milagre.

Convidado pela FIESP, estive recentemente nessa entidade participando da apresentação da Dra. Maria Graça Foster e de toda a sua diretoria, sobre o Plano de Negócio e Gestão da Petrobrás. A apresentação, por si só, uma crítica à gestão anterior, pela coerência e consistência, parece recolocar esta empresa no rumo da recuperação. Tarefa complicada, que se realizada, consolidará a atual Presidenta, como uma das grandes gestoras empresariais do Brasil.

Homem e profissional ligado à história do etanol praticamente desde seu início, fiquei atento para saber como o etanol está posto neste Plano de Negócio da Petrobrás. Não foi sequer citado. Sabemos que a Petrobrás reduziu seus investimentos nesta fonte alternativa de energia, em 0,4% no período 2.012/16. Dos US$ 236,7 bilhões de investimentos da companhia no período 2.013/17, apenas 1,1% estão destinados para os biocombustíveis (biodiesel e etanol). Ou seja, em face das necessidades do mercado um percentual pouco significativo. Para o sonho de dobrar a produção de etanol até 2020, a estimativa de investimento é de R$ 100 bilhões.

O argumento de que são mais de 400 empresas produtoras de etanol no Brasil e que a elas também cabe a responsabilidade de atender a demanda é absolutamente verdadeiro. Por que as empresas do setor não estão de forma efetiva conseguindo se organizar para atender esta demanda? Por que não usam os financiamentos colocados à disposição do setor para crescer a produção? A resposta é conhecida por todos quantos estejam próximos dessa atividade e do Governo Federal que vem sendo alertado há muito tempo do permanente agravamento das dificuldades do setor. Muitas entidades ligadas à cana produziram documentos com diagnóstico das dificuldades e com sugestões. Coordeno o Comitê de Serviços do Ceise Br, que produziu e enviou documentos ao Governo Federal.

A recente desoneração tributária é transitória, não estimulando os empresários a retomarem os investimentos. A amortização de investimentos em greenfields é de longo prazo. Somente um planejamento estratégico para o setor, que não pode deixar de lado a bioeletricidade, desencadeará os 100 bilhões de investimentos, com a consequente geração dos benefícios sócio-econômicos inerentes a este volume de investimentos. Diga-se ainda que estes investimentos são distribuídos ao longo das áreas canavieiras de todo o Brasil, propiciando a geração distribuída de riqueza, inversamente ao que vem ocorrendo com a concentração da produção em unidades maiores, facilitada pelas dificuldades choradas em verso e prosa e de conhecimento de todo o setor. A concentração de parte da produção deveria ocorrer em decorrência de novos investimentos e não pela incorporação de ativos das empresas em dificuldades.

A dificuldade maior, entre outras, como o aumento do custo de produção, é o preço do etanol ser referenciado pelo preço da gasolina, que tem seu preço controlado pelo Governo Federal, como instrumento (precário) de controle da inflação. Segundo a Presidenta da Petrobrás a maior adição de anidro na gasolina é uma variável importante para o preço final do produto ficar em patamares menores, especialmente neste período de baixa produção de petróleo e refinarias insuficientes para o craqueamento do óleo. Ou seja, o produtor de etanol, quando fornece anidro para a mistura na gasolina, está contribuindo para que o principal produto concorrente do hidratado tenha preços mais vantajosos para o consumidor final. Há uma contradição nos termos desta equação.

Pouco a pouco a discussão de um combustível único para o ciclo Otto começa a construir, ainda que lentamente, convencimento de que um E50 (mero exemplo) atende estrategicamente ao setor produtor de etanol e propicia à indústria automobilística trazer motores melhores desenvolvidos e mais eficientes para a queima de um combustível resultante do mix etanol/gasolina.

Em 2020, cumprida a rota de investimento, a Petrobrás estará produzindo 4,2 mbd de petróleo. Hoje importa gasolina. O Brasil poderá, se quebrado o paradigma atual do hidratado, estar no mercado internacional de gasolina com um produto adicionado de anidro, a preços competitivos. O setor deve ampliar o portifólio de alternativas de comercialização de anidro. Neste futuro próximo organizar-se com empresas de petróleo e fundos de investimentos internacionais, para estar oferecendo um mix de combustível, gasolina e anidro, altamente desejável pelo mundo. É sonho? Bom, o Dr. Otávio da Jalles Machado, homem de grande descortino, vivia me dizendo: "eu nunca parei de sonhar".

Resolver esta desigual competição entre gasolina e etanol é a solução para se estabelecer uma nova estratégia para um combustível ambientalmente amigável e permitir ao setor privado a projeção de investimentos necessários para atender a demanda resultando na recuperação de um setor da economia nacional altamente representativo pelos benefícios sócio-econômicos que produz.

Estas dificuldades conjunturais poderão ou não ser resolvidas com o tempo. Um tempo que a sobrevida do setor não pode esperar.

Necessário se faz, portanto, discutir, na conjuntura atual de grandes dificuldades da maioria das empresas do setor, a financiabilidade dessas empresas para o aumento da produção. Os recursos de Programas do BNDES como o ProRenova (renovação e ampliação do canavial) e o PASS (estocagem de etanol) foram renovados, além das linhas tradicionais de financiamentos. Estes financiamentos são disponibilizados através de bancos públicos e privados, agentes financeiros do BNDES. As dificuldades cadastrais do setor não estimulam os bancos a correrem riscos. As empresas não têm as certidões de regularidade dos tributos federais, estaduais e municipais necessárias para a contratação dos financiamentos. As garantias patrimoniais estão tomadas, muitas vezes em financiamentos de rolagem de dívida e não de incremento da produção. Três problemas: crédito, regularidade fiscal e garantia.

A solução desta intrincada situação não é tarefa de um segmento ou entidade do setor. Interessa a todos que estão ligados a esta atividade: às associações patronais, sindicados de trabalhadores, aos veículos de mídia que atuam no setor, às consultorias técnicas que vivem de prestar serviços, aos fornecedores de equipamentos, aos bancos, e principalmente ao estado brasileiro e a todos os estados da federação, principalmente aqueles produtores de etanol.

É possível um esforço articulado de todas as partes para buscar uma solução com as ferramentas existentes no mercado. O crédito, considerando que a principal agência de financiamento é o BNDES, passaria por uma mitigação das exigências e dos critérios que definem o limite de crédito, que são calculados sobre o ativo total e o patrimônio líquido; para a regularidade fiscal, à repactuação do pagamento dos tributos com o alongamento do perfil da dívida, dever-se-ia agregar uma carência para início dos pagamentos; a garantia dos financiamentos pode ser dada com os produtos resultantes de vendas para entrega futura, para as principais companhias distribuidoras, com rating AAA.

Esta ou qualquer outra solução de financiabilidade do setor, abre uma porta de investimentos da ordem de R$ 100 bilhões até 2020. Investimentos em toda a cadeia produtiva a serem alocados, repito, de forma distribuída por todos os estados produtores de cana de açúcar. Isto interessa à sociedade brasileira?

Articular esta conjunção de forças é uma tarefa que tem que ser desencadeada imediatamente. Há um sentimento de urgência. A quem compete liderar esta articulação?

Estamos falando em refundar o programa de produção de etanol, para atender as demandas dos mercados doméstico e internacional, que certamente contribuirá com a pauta de exportação de produtos brasileiros.

José Américo Rubiano é Diretor da J.A. Rubiano Consultores Associados, Coordenador do Comitê de Serviços do Ceise Br

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