Há quatro meses à frente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o presidente Edegar Pretto refuta a ideia de que a retomada da política de formação de estoques reguladores de grãos pelo governo seja intervenção no mercado.
“Não trabalhamos com política de intervenção. Estamos falando de estoques públicos pelo menos para atender o mercado interno para garantir que o povo brasileiro se alimente na quantidade e com a qualidade necessárias”, disse Pretto ao Broadcast Agro, em sua primeira entrevista exclusiva desde que assumiu a estatal.
A formação de estoques foi retomada com milho, mas pode ser ampliada ainda neste ano para outros produtos, como arroz e trigo, a depender da decisão do governo, acrescentou.
Ele defende a atuação da estatal em medidas de incentivo à produção de alimentos básicos, como arroz e feijão, o que pode passar pela elevação do preço mínimo destes produtos a fim de tornar o cultivo mais atrativo ao produtor.
“Se o governo compreender que aquela cultura faz parte da necessidade do Brasil em ter mais produção, ter soberania, é possível garantir um preço mínimo com benefício ao produtor, mas também tem de haver uma decisão coletiva do governo sobre o momento e qual cultura será priorizada”, afirmou.
A reestruturação da estatal, segundo ele, passa pela sua inserção nas políticas públicas de combate à fome e de enfrentamento à inflação, como o fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Segundo Pretto, a Conab negocia no governo uma suplementação de R$ 850 milhões para o orçamento do programa ainda para este ano. Outro pleito é a inclusão da estatal no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com novos armazéns para ampliar sua capacidade estática, hoje de 1,6 milhão de toneladas.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Quatro meses depois de assumir a Conab, o senhor está animado em ter a estatal de novo atuando como agente de apoio à comercialização da safra e de abastecedora de alimentos às regiões que assim necessitam? Quais serão as prioridades da gestão neste segundo semestre?
Estou muito entusiasmado. Quando o presidente Lula me convidou para ser presidente da Conab, ele me disse da disposição do governo em transformar a Conab em um dos principais instrumentos de viabilidade dos agricultores, de combate à fome e de enfrentamento à inflação dos alimentos. É este o caminho que estamos seguindo. No primeiro semestre, já reestruturamos políticas que foram importantes para o Brasil e que a Conab deixou de fazer nos últimos anos. Para o segundo semestre, queremos operacionalizar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que é um dos principais programas que a Conab desenvolve. Queremos também fortalecer a volta da política da formação de estoques públicos, que já iniciamos, e é uma prioridade. É uma decisão do presidente voltar a formar estoques públicos, o que não ocorre desde 2016. Outra prioridade é a política nacional de abastecimento alimentar. Queremos diminuir o distanciamento entre o produtor e o consumidor, levando uma alimentação mais saudável para a periferia e para a população mais vulnerável.
O senhor falou em reestruturação da Conab. O presidente Lula e os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, também falam em reestruturação da empresa. O que já andou nesse processo e o que ainda falta, presidente?
Assumimos a Conab sucateada. O orçamento para este ano, para as despesas do dia a dia, as despesas correntes, acabou já no 1º semestre. Tivemos de buscar mais recursos, fazer realocação de recursos no Ministério do Planejamento junto com o MDA. A frota de veículos estava completamente sucateada. No setor de informações, desde 2015 não havia troca de computadores e diziam que davam prioridade para o setor de inteligência. A reestruturação que estamos fazendo vai na direção de recuperar as estruturas físicas e também a equipe de servidores, pois em um mês incluímos aumento de 18,42% na folha dos servidores. Os trabalhadores da Conab tinham a sensação de que a empresa estava indo para falência. Retomar as políticas que deixaram de ser feitas, resultando na volta da fome e em uma inflação dos alimentos quase o dobro da inflação geral, também faz parte da reestruturação.
Se hoje o orçamento não é suficiente nem para as despesas correntes, para todas as políticas, de abastecimento, PAA, estoques reguladores, os recursos também não atendem, correto? Já há uma ideia de quanto será necessário para 2024?
Os programas operacionalizados pela Conab se tornam viáveis com orçamento de outros ministérios. O PAA, por exemplo, o orçamento vem do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Estamos dialogando com o MDA, que é nosso ministério supervisor, e com a ministra do Planejamento, Simone Tebet. Há uma concordância (de reajuste de orçamento) porque é uma decisão do governo fortalecer a Conab. Agora, vamos achar os mecanismos para modular o orçamento do próximo ano. O MDA está coordenando o orçamento para todas suas estruturas vinculadas – Anater, Conab, Incra. Iremos levar o nosso plano, que ainda estamos elaborando.
Sobre o PAA, que será o foco neste semestre, em que pé está o programa?
Tivemos uma demanda muito acima dos recursos que dispomos neste primeiro momento. Recebemos 3,7 mil propostas em 50 dias, o que envolveu 3,6 mil cooperativas e associações ligadas à agricultura familiar. Se conseguirmos atender essa demanda, será o equivalente a 248 mil toneladas de alimentos que distribuiremos para quem está precisando. Neste momento, estamos mobilizados no governo para conseguir os recursos que faltam. O presidente está ciente. Se dependesse do governo passado, o orçamento para este ano do PAA seria de R$ 2,6 milhões e foi lançado pelo presidente Lula com R$ 500 milhões, sendo metade operacionalizada pela Conab e outra metade pelos estados. Dos R$ 250 milhões vinculados à Conab, a demanda foi de R$ 1,1 bilhão. Se conseguirmos cumprir essa demanda, será o maior volume de operações do PAA em seus 20 anos de programa. Até então, o maior volume de recursos liberados para o PAA foi em 2012, de R$ 600 milhões, o que seria equivalente em valores corrigidos a R$ 1 bilhão.
Por estes números que o senhor apresenta, há uma necessidade de suplementação de R$ 850 milhões para o orçamento do PAA. A Fazenda também já está participando dessas discussões? Há uma estimativa de prazo para obtenção desses recursos extras?
Quando o presidente Lula sancionou a lei do PAA, a ministra Simone Tebet disse que o PAA é um dos programas mais efetivos de distribuição de renda. Questionei se iremos conseguir os recursos e ela respondeu que pode ser feita tramitação junto com MDA. A questão é concluir, porque estamos em ano com orçamento do governo passado, mas há vontade política. Estamos muito mobilizados nos ministérios que fazem parte desse programa e, portanto, estou com muita esperança de que conseguiremos esse recurso extra para cumprir as metas do PAA.
Essas 248 mil toneladas, se ampliado o orçamento, serão adquiridas ainda neste segundo semestre?
A orientação do presidente Lula ao sancionar a lei do PAA, em 20 de julho, foi de gastar os R$ 250 milhões que temos. Queremos empenhar esse valor, no máximo, nesta semana. O nosso plano inicial era começar o mês de agosto já pagando as entidades e fazendo simultaneamente a distribuição dos alimentos, ou seja, a Conab paga, a entidade vendedora recebe e já entrega na entidade social cadastrada. Mulheres, indígenas e quilombolas terão preferência nos pagamentos do PAA.
O senhor citou como prioridade a retomada dos estoques públicos. A Conab anunciou no fim de junho a compra de 500 mil toneladas de milho, com desembolso de R$ 400 milhões, por AGF (Aquisições do Governo Federal) para a retomada desses estoques. Esse milho já está sendo adquirido? O cereal será logo “devolvido” ao mercado ou ficará armazenado enquanto houver supersafra?
Começamos pelo milho porque teremos uma supersafra de milho no Brasil, em torno de 127 milhões de toneladas que serão colhidas. Há seis estados em que o milho está sendo comercializado abaixo do preço mínimo, que cobre o custo de produção. Quando o preço de mercado está abaixo do mínimo, a Conab pode entrar e comprar o cereal e/ou qualquer outro produto. Começamos pelo milho porque é o principal item da ração para o setor de proteína animal e parte dos criadores está em estados deficitários na produção do milho. A Conab comprando e armazenando o milho vai garantir que não falte milho em nenhum local do país. A modalidade que estabeleceremos para fazer esse milho chegar onde for necessário é uma decisão que o governo terá de tomar quando chegar a demanda. Esse milho já está sendo comprado e, por isso, é importante a reestruturação dos armazéns para termos estrutura para formarmos os estoques.
Haverá a necessidade de ampliação dos armazéns?
Estamos fazendo o levantamento de como estão as 64 unidades armazenadoras em funcionamento, se iremos reativar as 27 que foram desmobilizadas e em quais iremos investir para a estrutura voltar a funcionar. Avaliamos quais unidades ativas exigem investimento para aumentar a nossa capacidade estática pública. Estamos fazendo também uma chamada pública para credenciamento de armazéns terceirizados, corrigimos o aluguel em 34% para ser mais atrativo, o que não era atualizado desde 2017. Hoje, temos capacidade de adquirir 260 mil toneladas (de milho) que foram inscritas. A nossa expectativa é que a oferta de armazéns terceirizados se amplie havendo a oferta de milho, devemos cumprir a compra das primeiras 500 mil toneladas. O próximo passo, se iremos comprar mais milho ou qual outro produto iremos comprar, é uma decisão do governo.
Haverá olhar especial sobre determinada cultura, como as voltadas para abastecimento interno?
Temos um diagnóstico da necessidade de aumentar a produção de arroz, feijão, mandioca e hortaliças. O levantamento da Conab mostra que esta safra é a menor lavoura plantada com arroz e feijão dos últimos 46 anos, desde 1977. São duas culturas que temos de olhar com muita atenção e dar ao agricultor a garantia de que, se ele produzir essas culturas, ele terá lucro. E fazemos isso com políticas públicas. A Conab quer garantir preço mínimo justo, que dê lucro ao produtor e garantir a compra. Estamos preparando as estruturas de compras públicas, não somente no PAA que será potencializado, mas também o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) que foi reformulado e acrescido em R$ 1,5 bilhão, no total de R$ 5,5 bilhões, sendo 30% no mínimo para ser comprado da agricultura familiar. É um conjunto de ações com o qual daremos viabilidade econômica para o agricultor que produzir comida.
Para outros produtos, além do milho, como arroz, feijão e trigo, há a previsão de formação de estoques públicos para este ano ou ainda está sendo estudado?
Primeiro, precisamos olhar a nossa capacidade estática de armazenamento e onde necessita ser ampliada. Temos de preparar as estruturas da Conab para operacionalizar uma política mais massiva nesse sentido. Trabalhamos com o horizonte de aumentar a produção, dando garantia de preço e garantia de compra. Feijão, arroz e mandioca são três produtos que olhamos com muita atenção para aumentar a produção e garantir estoque público, porque assim é o governo mais uma vez fazendo a regulação de quem produz e quem consome. O governo deixou de fazer isso e, nos últimos quatro anos, a inflação dos alimentos foi o dobro da inflação geral, de 57% ante 30%.
O setor produtivo foi muito crítico na questão da retomada da política de estoques públicos. O agro empresarial teme o retorno daqueles grandes estoques reguladores feitos pela Conab no passado e vê como política intervencionista. Agora, estamos falando de que volume de estoque e por que retomar esse tipo de medida?
Não trabalhamos com política de intervenção. Não é isso que pretendemos fazer, mas o setor tem de concordar conosco que a política que foi traçada e implementada no último governo não funcionou. Pelo contrário, deixou os agricultores vulneráveis, levando mesmo aqueles que produziam de forma mais diversificada a vender ou arrendar a sua terra ou a migrar para a monocultura de exportação. Estamos falando de estoques públicos pelo menos para atender o mercado interno. Queremos garantir formação de estoque para que o povo brasileiro se alimente na quantidade e com a qualidade necessárias. Essa é a nossa política de estoques públicos.
Ainda em políticas de apoio à comercialização dos grãos, as cooperativas pedem, além da AGF de milho, leilões de Prêmio para Escoamento de Produto (PEP) e Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro) para milho e trigo – negociados em alguns estados abaixo do custo de produção. São instrumentos que estão no radar da Conab para este semestre?
Há possibilidade. Isso faz parte de uma decisão do governo. Para isso, o setor tem de vir até o governo de forma organizada e trazer essa necessidade. A Conab operacionaliza, mas ainda não chegou essa demanda do setor de forma organizada. Sabemos que tem necessidade, mas ainda não sabemos o tamanho.
O governo cogita também elevar o preço mínimo de alguns grãos, como arroz, para estimular a produção. Já houve sinalizações de ministros quanto a puxar para cima os preços de alguns grãos para tornar o plantio atrativo. Como conciliar o incentivo à produção e o controle da inflação dos alimentos?
Também defendo essa possibilidade. Se o governo compreender que aquela cultura faz parte da necessidade do Brasil em ter mais produção, ter soberania, é possível garantir um preço mínimo com benefício ao produtor. Mas também tem de haver uma decisão coletiva do governo sobre o momento e qual cultura será priorizada. Temos consciência que precisamos ter uma política mais ofensiva positivamente para o agricultor produzir essas culturas e dar viabilidade econômica para ele. Há possibilidade, ainda, de o governo fazer compra futura com contrato para garantir ao produtor a compra em culturas que considerar estratégicas. A Conab tem condições de operacionalizar uma política dessa forma, mas é uma decisão que ainda não está tomada.
Sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que será lançado em 11 de agosto, dentre da inclusão do programa de expansão de armazéns da Conab, há uma ideia de quantos novos armazéns poderão ser incluídos no PAC3 ou se trata de investimentos para melhorias dos atuais ou a recuperação das unidades desativadas?
Queremos incluir no PAC investimento em armazéns, tanto em melhorias de estruturas, quanto recuperar os desativados e identificar em quais regiões e Estados que não temos armazéns e há necessidade a fim de que o governo faça esse investimento na construção de novas unidades no próximo período. O estudo sobre as condições dos armazéns em funcionamento será finalizado em breve. Entregaremos ao governo essa demanda, após passar pelos ministérios da Agricultura e MDA.
Entidades que representam a agricultura familiar reivindicam maior direcionamento da Conab para dados e estatísticas para subsidiar os pequenos produtores. Como o senhor entende que a Conab poderia atuar em inteligência agropecuária para a agricultura familiar?
É necessário fazer mais investimento no setor de inteligência. Trabalhamos na perspectiva de criar um Sistema Nacional de Informações Agrícolas, em diálogo com as universidades e com os institutos federais. A ideia é constituir uma rede de informações com a Conab sendo a central dessas informações para ampliarmos as estatísticas e concedermos informações mais precisas. Ainda não há, por exemplo, a previsão sobre quanto da safra ficará em cada Estado ou quanto o agricultor já vendeu em contratos futuros. Para a Conab, esses mecanismos são importantes para planejar, sabendo qual Estado precisará de milho e qual região mais próxima terá cereal para fornecer para garantir que não haja falta do produto. São elementos que queremos incorporar nas nossas informações. Tanto a agricultura empresarial quanto a familiar necessitam de informação mais robusta.
É a primeira vez que a gestão da Conab é compartilhada entre duas pastas – Agricultura e MDA. Como o senhor avalia essa divisão da gestão? Esse é o caminho daqui para frente?
É ótima. O Congresso ratificou o que praticamos no dia a dia da Conab desde que a assumimos. Foi, por exemplo, com base nos números da inteligência da Conab que assessoramos os Ministérios da Agricultura e o MDA na montagem do Plano Safra. Vamos continuar assessorando os ministérios para constituir políticas mais efetivas e compartilhá-las. Nenhuma das políticas vai ser diminuída, seja para pequenos e médios (produtores), seja para grandes. O Brasil precisa do campo agrícola completo funcionando bem. Isso vai fortalecer cada vez mais a Conab.
Isadora Duarte