Por Everton de Oliveira* e Mario Luis Assine**
Os combustíveis fósseis têm sido uma mola propulsora do progresso da humanidade em razão de sua enorme densidade energética, mas o lançamento de gás carbônico (CO2) e seu acúmulo na atmosfera desde o início da revolução industrial, com seu efeito secundário, o aquecimento global, deram-lhes o papel de principais vilões da crise climática que ameaça o planeta.
Cientistas do IPCC, o painel de especialistas da ONU sobre mudança climática, calculam que a concentração de CO2 na atmosfera em 2022 já era da ordem de 420 ppmv (partes por milhão em volume), muito acima das cerca de 280 ppmv dos tempos pré-industriais. Em 2100, ela poderá chegar a 1.110 ppmv. O aquecimento global, que já é de 1,2°C acima do período pré-industrial, pode atingir de 2°C a 5°C até 2100.
Mesmo com a neutralidade de carbono (net zero) nas atividades humanas – quando toda a quantidade de gases de efeito estufa (GEEs) produzida e lançada na atmosfera for compensada por uma retirada equivalente –, o mundo não vai atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris em 2015. Será preciso efetivamente remover o excesso de CO2 já acumulado na atmosfera, ampliando dramaticamente o uso de tecnologias como a captura e armazenamento geológico do carbono, conhecida pela sigla CCS (carbon capture and storage, em inglês).
A terceira parte do sexto relatório de avaliação do IPCC (AR6 WGIII) defende que a produção de bioenergia associada ao CCS (Beccs) e o plantio de árvores são as opções mais importantes existentes para retirar os gases de efeito estufa da atmosfera. É aí que entram a geologia do Brasil e o nosso etanol.
Segundo o Global CCS Institute, será necessária a implantação de mais de 2 mil projetos de CCS de grande porte (> 400 mil tCO2/ano) até 2050, associados a outras soluções, para que seja atingida a neutralidade de carbono no planeta.
A produção do etanol em biorrefinarias Beccs, aproveitando a possibilidade de armazenar o CO2 próximo às usinas em formações aquíferas profundas e naturalmente salinizadas, permitirá a existência de uma fonte energética negativa em carbono, isto é, que remove mais CO2 do que lança na atmosfera em todo o seu ciclo. Uma excelente oportunidade para a indústria do etanol.
Ainda em sua infância, os projetos de CCS se baseiam nas tecnologias consolidadas da indústria do petróleo, da hidrogeologia e da geoquímica. O Brasil tem tudo para sair na frente, pois conta com uma indústria de óleo e gás estabelecida, profissionais capacitados e uma matriz energética limpa que o CCS pode potencializar.
O CCS pode ser dividido em quatro etapas principais: captura, transporte, armazenamento e monitoramento.
No Brasil, vários sítios geológicos são bons candidatos ao armazenamento de CO2 de forma segura e estável no longuíssimo prazo, como a bacia sedimentar do Paraná. Ela é uma extensa área de grande estabilidade tectônica na porção sul do Brasil e engloba boa parte das usinas de etanol de cana do país, que já usam fontes de energia renovável e podem potencialmente se tornar biorrefinaria Beccs negativas em carbono.
Além disso, abaixo do excelente Aquífero Guarani, separados por uma formação selante impermeável (folhelhos da formação Palermo), encontram-se arenitos da formação Rio Bonito, com ótimas condições de armazenamento de CO2, que só precisam de caracterização de subsuperfície (poços e geofísica) para definir o seu potencial de armazenamento.
Assim, o surgimento de um mercado mundial de créditos de carbono, com a formação de preços atrativos para a tonelada de CO2 capturada e armazenada, põe os produtores de etanol brasileiros diante de uma grande oportunidade de liderar a transição da indústria de energia para a economia de baixo carbono.
* Everton de Oliveira é geólogo, doutor em hidrogeologia, sócio da Hidroplan e diretor do Instituto Água Sustentável e do Groundwater Project
** Mario Luis Assine é geólogo, doutor em geociências e professor livre-docente do departamento de geologia da Unesp em Rio Claro (SP)
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