Etanol: Meio ambiente

Etanol: Meio ambiente

[Opinião] Brasil pode ser potência na remoção de carbono da atmosfera

País conta com vasto parque de usinas produtoras de etanol em áreas com subsolo adequado para o armazenamento geológico de CO2, considerado o maior vilão do aquecimento global


O Estado de S. Paulo - Publicado: 02 Mai 2023 - 09:10

Por Everton de Oliveira* e Mario Luis Assine**

Os combustíveis fósseis têm sido uma mola propulsora do progresso da humanidade em razão de sua enorme densidade energética, mas o lançamento de gás carbônico (CO2) e seu acúmulo na atmosfera desde o início da revolução industrial, com seu efeito secundário, o aquecimento global, deram-lhes o papel de principais vilões da crise climática que ameaça o planeta.

Cientistas do IPCC, o painel de especialistas da ONU sobre mudança climática, calculam que a concentração de CO2 na atmosfera em 2022 já era da ordem de 420 ppmv (partes por milhão em volume), muito acima das cerca de 280 ppmv dos tempos pré-industriais. Em 2100, ela poderá chegar a 1.110 ppmv. O aquecimento global, que já é de 1,2°C acima do período pré-industrial, pode atingir de 2°C a 5°C até 2100.

Mesmo com a neutralidade de carbono (net zero) nas atividades humanas – quando toda a quantidade de gases de efeito estufa (GEEs) produzida e lançada na atmosfera for compensada por uma retirada equivalente –, o mundo não vai atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris em 2015. Será preciso efetivamente remover o excesso de CO2 já acumulado na atmosfera, ampliando dramaticamente o uso de tecnologias como a captura e armazenamento geológico do carbono, conhecida pela sigla CCS (carbon capture and storage, em inglês).

A terceira parte do sexto relatório de avaliação do IPCC (AR6 WGIII) defende que a produção de bioenergia associada ao CCS (Beccs) e o plantio de árvores são as opções mais importantes existentes para retirar os gases de efeito estufa da atmosfera. É aí que entram a geologia do Brasil e o nosso etanol.

Segundo o Global CCS Institute, será necessária a implantação de mais de 2 mil projetos de CCS de grande porte (> 400 mil tCO2/ano) até 2050, associados a outras soluções, para que seja atingida a neutralidade de carbono no planeta.

A produção do etanol em biorrefinarias Beccs, aproveitando a possibilidade de armazenar o CO2 próximo às usinas em formações aquíferas profundas e naturalmente salinizadas, permitirá a existência de uma fonte energética negativa em carbono, isto é, que remove mais CO2 do que lança na atmosfera em todo o seu ciclo. Uma excelente oportunidade para a indústria do etanol.

Ainda em sua infância, os projetos de CCS se baseiam nas tecnologias consolidadas da indústria do petróleo, da hidrogeologia e da geoquímica. O Brasil tem tudo para sair na frente, pois conta com uma indústria de óleo e gás estabelecida, profissionais capacitados e uma matriz energética limpa que o CCS pode potencializar.

O CCS pode ser dividido em quatro etapas principais: captura, transporte, armazenamento e monitoramento.

  1. A captura significa a separação do CO2 de uma mistura gasosa, elevando o seu teor a mais de 95%. No Brasil, as plantas de etanol produzem uma corrente de CO2 com teor próximo a 98% de pureza, evitando os altos custos de separação do CO2.
  2. O transporte é feito por dutos, caminhões ou navios até o ponto de injeção para armazenamento em formações geológicas profundas. A proximidade da fonte com a injeção reduz o custo, uma vantagem adicional para o etanol, já que boa parte das usinas está perto de áreas geologicamente propícias para injeção.
  3. No armazenamento, é necessário injetar o CO2 a profundidades superiores a 800 m, alcançando condições naturais de temperatura e pressão para manter o ambiente seguro por um período de mil anos ou mais.

    As formações geológicas mais preparadas para essa injeção são campos exauridos de petróleo e aquíferos salinos profundos, que já têm uso economicamente inviável por causa da água com alta concentração natural de sais e da grande profundidade em que se encontram.
  4. O monitoramento do CO2 armazenado nas formações geológicas profundas é fundamental para reafirmar a segurança do CCS. O risco mais óbvio é o de vazamento ou a percolação do CO2 para fora dos limites da rocha selante pela presença de falhas, fraturas ou mesmo poços preexistentes que não tenham sido bem selados, alcançando águas subterrâneas rasas e de boa qualidade para uso humano e ecológico.

    O aumento da pressão na formação geológica pela injeção de CO2 também deve ser considerado e monitorado, já que pode induzir o vazamento de água salinizada por fraturas ou falhas. Pode haver, também, a indução de pequenos sismos, principalmente onde existam zonas de falhas geológicas ativas.

No Brasil, vários sítios geológicos são bons candidatos ao armazenamento de CO2 de forma segura e estável no longuíssimo prazo, como a bacia sedimentar do Paraná. Ela é uma extensa área de grande estabilidade tectônica na porção sul do Brasil e engloba boa parte das usinas de etanol de cana do país, que já usam fontes de energia renovável e podem potencialmente se tornar biorrefinaria Beccs negativas em carbono.

Além disso, abaixo do excelente Aquífero Guarani, separados por uma formação selante impermeável (folhelhos da formação Palermo), encontram-se arenitos da formação Rio Bonito, com ótimas condições de armazenamento de CO2, que só precisam de caracterização de subsuperfície (poços e geofísica) para definir o seu potencial de armazenamento.

Assim, o surgimento de um mercado mundial de créditos de carbono, com a formação de preços atrativos para a tonelada de CO2 capturada e armazenada, põe os produtores de etanol brasileiros diante de uma grande oportunidade de liderar a transição da indústria de energia para a economia de baixo carbono.

* Everton de Oliveira é geólogo, doutor em hidrogeologia, sócio da Hidroplan e diretor do Instituto Água Sustentável e do Groundwater Project

** Mario Luis Assine é geólogo, doutor em geociências e professor livre-docente do departamento de geologia da Unesp em Rio Claro (SP)


Textos opinativos não necessariamente traduzem o posicionamento do NovaCana. A publicação visa estimular o debate e proporcionar uma variedade de pontos de vista para os leitores.

Outros destaques

Acompanhe as notícias do setor
Assine nosso boletim

Outros Destaques

Usinas
Raízen anuncia venda da usina Leme para Ferrari e Agromen por R$ 425 milhões
Raízen anuncia venda da usina Leme para Ferrari e Agromen por R$ 425 milhões
Impostos
[Opinião] PIS/Cofins, etanol e alterações pela Lei Complementar nº 214/2025
[Opinião] PIS/Cofins, etanol e alterações pela Lei Complementar nº 214/2025
Trabalhadores
Morre funcionário da Raízen internado após acidente com moenda em Sertãozinho (SP)
Morre funcionário da Raízen internado após acidente com moenda em Sertãozinho (SP)
Financeiro
Tether inicia aquisição de ações da Adecoagro; confira perfil da multinacional do agro
Tether inicia aquisição de ações da Adecoagro; confira perfil da multinacional do agro