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Os problemas da mecanização na colheita de cana e as possíveis soluções


NovaCana - Publicado: 16 Ago 2013 - 09:50 | Atualizado: 27 Ago 2014 - 17:23

A colheita de cana-de-açúcar mecanizada é realizada com a utilização de grandes colhedoras, que, nos últimos cinquenta anos, evoluíram bastante no que tange à capacidade efetiva de colheita. A princípio, as colhedoras eram capazes de colher apenas 15 toneladas de cana queimada por hora, ao passo que atualmente, as mais modernas colhem setenta toneladas de cana crua por hora. Trata-se, pois, de incremento significativo, uma vez que a colheita de cana crua representa ambiente de trabalho bem mais adverso do que o de cana queimada. Em que pese que o processo de produção que prevaleceu no Brasil foi o australiano, de colheita de cana picada, o mesmo utilizado até os dias de hoje, muitos itens podem e devem ser melhorados, o que, no limite, poderá substituir a rota tecnológica vigente.

Cabe ressaltar que o processo australiano de colheita de cana picada foi bem-sucedido na eliminação da operação de carregamento de colmos inteiros e na viabilização do manuseio a granel da cana, à semelhança do que ocorre com os cereais. O processo de colheita de cana picada envolve 11 operações básicas: o corte dos ponteiros, o levantamento e alinhamento dos colmos, o tombamento dos colmos, o corte de base dos colmos, o levantamento da base dos colmos, o ordenamento paralelo, a picagem, a ventilação primária, o transporte com elevação, a ventilação secundária e a descarga a granel. Essa combinação de operações permite que o sistema de cana picada efetue o despalhamento e obtenha melhor performance para a colheita de canaviais tombados, características que o fizeram prevalecer sobre outras rotas [Braunbeck e Magalhães (2010)]. Entretanto, esse sistema apresenta também vários problemas a serem solucionados.

Problemas identificados

Um dos principais problemas é, decerto, o incremento do tráfego envolvido nas lavouras de cana-de-açúcar, o que acarreta aumento do pisoteamento e, por conseguinte, da compactação do solo. Com o tempo, este vai sendo degradado, o que afeta diretamente sua produtividade. Se medidas não forem tomadas de forma adequada para tentar atenuar esse problema, poderá ocorrer grande degradação nos solos cultivados com cana.

Outro ponto importante envolve a produtividade da colheita, uma vez que as máquinas, em geral, colhem apenas uma linha de cana-de-açúcar, em função da grande massa a ser colhida e da largura de suas bitolas.  Apenas recentemente entraram em operação máquinas capazes de colher duas linhas por vez. Quanto mais linhas puderem ser colhidas no processo, maior será a quantidade de cana-de-açúcar a ser colhida por unidade de tempo, o que melhoraria a produtividade e a sustentabilidade da produção. Destaca-se que, no paradigma atual, as máquinas que colhem apenas uma linha já pesam cerca de 19 toneladas. Logo, seguindo o modelo usado hoje, caso se tentasse aumentar muito mais o número de linhas, as máquinas ficariam maiores e mais pesadas, o que inviabilizaria sua produção, tanto por causar danos aos canaviais, quanto pela difícil logística de deslocamento, ou seja, do transporte das máquinas para as usinas e destas para os canaviais.

O desgaste de materiais envolvidos na colheita é também outra questão relevante a ser considerada, uma vez que, em função da resistência e abrasividade da cana-de-açúcar, as facas da colhedora ficam cegas rapidamente, em cerca de oito horas. No entanto, tal fato acontece em virtude de a faca cortar não só a planta, mas também a terra. Uma vez que a terra fosse retirada do processo de corte, seria possível, até, utilizar facas mais finas, facilitando ainda mais o corte, bem como a manutenção dos fios por mais tempo.

Além disso, essa situação acarreta em sensível aumento do consumo de combustível, uma vez que a potência do cortador de base que atualmente é de 50 HP a 60 HP poderia ser reduzida para cerca de 1 HP sem em nada comprometer o corte eficaz da cana-de-açúcar. Ainda em relação ao consumo excessivo de combustível, cabe ressaltar que a colhedora está consumindo em torno de um litro de diesel por cada tonelada de cana colhida.  Se for contabilizado o transbordo que a acompanha, chega-se ao consumo de 1,3 l/t, entre colheita e transporte, em virtude não apenas do peso da máquina, mas também para proceder ao corte de base.

Outra questão é que o cortador de base, que contém os dois discos rotativos que cortam a cana-de-açúcar, em função de também cortar a terra, acaba sendo um dispositivo muito pesado, com cerca de 450 kg. Por essa razão, esse acessório tem grande inércia, não conseguindo acompanhar adequadamente as alterações do terreno, o que só agrava o problema. Uma tentativa de solução é posicionar o cortador um pouco mais alto, mas então muitas vezes a cana-de-açúcar será cortada em posição alta demais no colmo, o que é bastante prejudicial em relação à produtividade. 1

A utilização das colhedoras em terrenos com declividade acima de 12% é outra limitação dessas máquinas a ser considerada. De fato, uma vez que as colhedoras, grosso modo, colhem apenas uma linha, tendo bitola estreita, apresentam falta de estabilidade ao tombamento e também direcional [Magalhães e Braunbeck (2010)].

A inaptidão das colhedoras para trabalhar em canaviais que tenham cana tombada é outra limitação grave dessas máquinas, uma vez que nos canaviais mais produtivos, acima de 120 t/ha, o tombamento é um problema recorrente.  Sendo assim, a própria busca de variedades de cana mais produtivas pode ficar inviabilizada, ou afastada, pois não haveria como fazer a colheita destas posteriormente. Este é mais um exemplo de como a máquina utilizada pode vir a impor limites a melhores práticas, processos e tecnologias de produção da cana-de-açúcar.

Apontado por especialistas do setor, o elevado índice de perdas, visíveis e invisíveis, é outro ponto importante a se considerar. Com a colhedora atual, essas perdas ficam entre 8% e 10%, números extremamente altos, quanto mais se comparados às colhedoras de cereais, para as quais um índice de 2% de perdas já seria preocupante. Em geral, só se contabilizam as perdas visíveis do processo, que envolvem pedaços de cana-de-açúcar e toletes, fazendo com que o número fique em torno de 5%. Entretanto, se forem contabilizadas também as perdas invisíveis, que são serragem, caldo e pequenos estilhaços, seriam alcançados os outros 5% de perdas. Corte da base, despontamento, picagem da cana e separação da palha são os motivos dessas perdas, sendo este último item o maior de todos, já que para obter a cana livre da palha, as perdas aumentam consideravelmente.

Possíveis soluções

Uma das principais maneiras de reduzir o tráfego e o pisoteamento envolvidos nas lavouras de cana seria a mudança de quase todo o processo de plantio, a passagem do atual, conhecido como convencional, para o chamado plantio direto,2 ou mínimo. Dessa forma, diversas máquinas e equipamentos não mais seriam utilizados, contribuindo assim para resolver o problema do tráfego e pisoteamento excessivo em sua raiz. Outra maneira seria o desenvolvimento de colhedoras de bitolas mais largas que pudessem, em razão dessa característica, processar número maior de linhas. Se isso fosse feito, assim como acontece nas colhedoras de cereais, que têm plataformas de colheita bem mais largas que suas bases motrizes, seria possível diminuir muito a área trafegada. Cabe ressaltar também que o aumento do número de linhas de cana-de-açúcar colhidas melhoraria a produtividade de tais máquinas.

Em relação ao equipamento responsável pelo corte de base das máquinas, ao consumo das facas e ao consumo de combustível, cujos problemas gerados, como visto, estão de certa forma, interligados, as soluções seriam as seguintes: em primeiro lugar, desenvolvimento de um equipamento de corte mais leve, menos potente e que acompanhasse as irregularidades do terreno.  Dessa forma, o novo sistema, não tão pesado, acompanharia a superfície do terreno, cortando "certo", pois manteria sempre a faca alguns centímetros acima da superfície do solo, aproveitando mais a cana-de-açúcar. Com isso, seriam poupadas as facas de corte da máquina, pois a terra não estaria sendo cortada conjuntamente. Logo, as facas poderiam ser mais finas e afiadas, melhorando, portanto, o corte; e a potência da máquina poderia ser menor, pois apenas a cana-de-açúcar estaria sendo cortada. Com a redução da potência de corte, um importante item, o cortador de corte de base, responsável pelo alto consumo de combustível da colhedora, estaria sendo substituído por um sistema de corte bem mais econômico.

Em relação ao limite de declividade do terreno (até 12%) e ao problema de estabilidade ao tombamento, necessário seria o desenvolvimento de colhedora que cortasse número maior de linhas e que, portanto, tivesse sua largura aumentada. Quanto à estabilidade direcional, esta surge como consequência dos componentes transversais de peso que tendem a desviar a máquina da trajetória correspondente às linhas de plantio. Tal questão pode ser resolvida, basicamente, por meio de recursos de direção e de tração nas quatro rodas [Magalhães e Braunbeck (2010)].

No tocante ao tombamento dos canaviais e ao concomitante entrelaçamento decorrente de sua alta produtividade, tais questões ainda estão aguardando o desenvolvimento de tecnologia de colhedora ou de processos de colheita capazes de resolvê-las. Com a tecnologia atual, a utilização de colhedora de uma linha, conjuntamente com a redução de velocidade de operação da máquina, pode atenuar tais problemas.

Em relação às perdas visíveis e invisíveis, uma possibilidade seria a colheita da cana integral (conjuntamente com a palha), já em desenvolvimento. Portanto, uma limpeza parcial na colhedora, combinada com uma planta estacionária de limpeza a seco na usina, parece ser a solução mais adequada, pois evita perdas na colhedora e permite ajustar o percentual desejado de recuperação de palha para energia, deixando no campo a cobertura requerida para o controle de ervas daninhas e proteção do solo [Magalhães e Braunbeck (2010)]. 3

1 Grande parte da porção mais nobre da cana-de-açúcar, que é o caldo, encontra-se justamente perto da base, ficando no fragmento deixado no solo, sem ser colhida.
2 Trata-se de um sistema diferenciado de manejo de solo que visa diminuir sobre ele o impacto da agricultura e das máquinas agrícolas. Nele, a palha e os demais restos vegetais de outras culturas são mantidos na superfície do solo, garantindo-lhe cobertura e proteção contra processos danosos, tais como a erosão. O solo só é manipulado no momento do plantio, quando é aberto um sulco onde são depositadas sementes e fertilizantes. Não existe, além do supracitado, nenhum método de preparo do solo. O mais importante controle nesse modo de cultivo é o das plantas daninhas, por meio do manejo integrado de pragas, doenças em geral e plantas infestantes. Também é muito importante para o sucesso do sistema que seja utilizada a rotação de culturas.
3 Cabe salientar que o BNDES está apoiando, no âmbito do Fundo Tecnológico (BNDES Funtec), projeto liderado pelo Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bietanol (CTBE) para o desenvolvimento de estrutura autopropelida de tráfego controlado (ETC), cujo objetivo é realizar todas as operações envolvidas no ciclo agrícola da cana-de-açúcar: plantio, tratos culturais e colheita. A proposta desse equipamento é inovadora, uma vez que, por conter bitola de 9 m, cabines de controle e frentes de colheita capazes de se deslocar e girar sobre seu próprio eixo, propicia não só o plantio e a colheita em um maior número de linhas, como também a redução de tráfego e manobras nos talhões de cana-de-açúcar.

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